"Aliás, é curioso observar como muitas das mulheres que, por tristes razões de conveniência social, preferem não se declarar feministas, comungam com as feministas radicais de uma mística do feminino, que arreda os homens de tudo quanto é simpático nos sentimentos e actos, definindo de forma estanque uma série de "valores" femininos: afecto, lealdade, transparência, generosidade, intuição, pragmatismo, sentido de humor, desembaraço. Pretender definir um dos sexos através desta curta súmula de maravilhas é, parece-me a mim sexismo. Como afirma Ana Vicente (em Os Poderes das Mulheres, Os Poderes dos Homens, Circulo de Leitores, 1998): "Tal como o racismo, o sexismo foi e é um tremendo erro, pois torna a procura da felicidade muito mais nebulosa e tacteante". Por isso, a páginas tantas, quando Orlando passa do sexo masculino ao feminino, Virginia Woolf escreve: "A mudança de sexo, muito embora alterando-lhe o futuro, não lhe alterava a identidade". por isso também o assunto da "escrita feminina" me cheira ao esturro da discriminação: a única distinção que faz sentido é a que engloba as/os escritoras/es capazes de escavar o fundo secreto dos tempos e das almas.
Entretanto, verificam-se ainda múltiplas e persistentes formas de discriminação das mulheres, em Portugal e no mundo. Mais de um milhão de meninas morrem todos os anos apenas por terem nascido mulheres. Milhares de outras ficam para sempre amputadas pela mutilação genital - prática tenebrosa e muito mais expandida do que se possa pensar, frequentemente desculpabilizada pelo relativismo cultural politicamente correcto. A percentagem mundial de mulheres nos lugares de decisão politica é de cerca de dez por cento. E só três por cento das empresas ocidentais (porque das outras nem vale a pena falar) são dirigidas por mulheres. Que em geral ganham muito menos, em iguais funções, do que os seus congéneres masculinos. Ora a menorização das mulheres menoriza também os homens, empobrecendo não só as relações entre os sexos mas também o desenvolvimento do mundo humano".
Inês Pedrosa, 20 Mulheres para o Século XX, Dom Quixote, Lisboa, 2000.
Sem comentários:
Enviar um comentário