"Magia, sim, certezas, não. Nunca as houve entre nós. Nem mesmo quando pequenos. Então eras tu a mais inquieta. Gostas de mim? - perguntavas constantemente. Precisavas de resposta, às vezes de meia em meia hora.
- Por que perguntas? Já sabes que sim.
- Não sei, estás sempre a inventar.
É verdade que inventava: histórias, romances de cavalaria, aventuras em que o herói era eu e tu a causa. Sim, já então inventava, como agora te invento e nos invento.
Mais tarde comecei eu a perguntar: Gostas de mim? E nenhuma resposta me sossegava.
Cresceste mais depressa. De repente ficas-te mulher, parecias mais velha, ainda que mais nova, eu sentia-me em fífia, falava alto quando queria falar baixo, dizia o contrário do que pretendia, estudava estratégias que saíam sempre erradas. Gostas de mim? E às tantas começaste a irritar-te.
- Não sei, nunca se sabe, às vezes acho que sim, às vezes acho que não.
Foi então que tudo se alterou dentro de mim. Complicou-se ainda mais o meu esquema de esconjuração. Nunca mais tive qualquer certeza a teu respeito. Era por certo o que querias. Assim te vingavas da tua antiga inquietação. Ou talvez não. Talvez que, a partir de certa altura, tu fosses mesmo assim. Sabias e não sabias. Gostavas e não gostavas. Ou não gostavas de gostar. Ou gostavas e não querias. Ou querias gostar como dantes e já não eras capaz. Talvez a magia tivesse desaparecido. Não sei. Foi-se-me a paz e a plenitude que era eu gostar de ti. Ficou um travo amargo, uma dor, uma paixão. Quando deixei de acreditar em Deus, o amor tomou o lugar da perdida fé. Posso dizê-lo sem temor: Deus eras tu. Tu eras a minha fé e a minha religião. Foi o que eu disse ao Padre Júlio. Que me respondeu: O amor é sempre uma religião, é haver Deus e não haver".
Manuel Alegre, A Terceira Rosa, Pub Dom Quixote, Lisboa, 2008.
Walter Crane, La Belle Dame Sans Merci, 1865.
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