sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O Que Sentem as Mulheres II- Nativel Preciado

"Sabes dizer-me porque é que as mulheres têm tido sempre tão má reputação? (...) de onde vem esse medo?
José António Marina: - Penso que em primeiro lugar da diferença. Possivelmente na pré-história a mulher já aparece relacionada com as forças da natureza, através de dois fenómenos surpreendentes tais como o nascimento e a morte. Surge aqui outra fonte de ambivalências. Em muitas culturas, apenas as mulheres se podem ocupar dos mortos. As representações das deusas da fecundidade, figuras femininas são antigas. A deusa Kali, na cultura indiana representa ao mesmo tempo a capacidade destruidora e criadora. Penso que se pensou que as mulheres estão em contacto com as forças que escapam ao controlo do homem. Admira-me que até as mulheres tenham insistido no carácter obscuro da sexualidade feminina. Simone de Beauvoir, por exemplo, diz que nela "tudo é misterioso para a própria mulher, oculto e Atormentado". (...)
Nativel Preciado: - Esta identificação da Mulher com a natureza continua ainda vigente.
J.A.M.: - De facto, é necessário lembrá-lo aqui para entender alguns dos debates feministas modernos. Durante séculos natureza e cultura foram opostas. A mulher era natureza e o homem era cultura. Daí o empenho actual em diferenciar os sexos (macho e fêmea), que são acontecimentos naturais, dos géneros (masculino e feminino), que são acontecimentos culturais. As mulheres querem reivindicar uma genealogia cultural e não biológica. (..) Os filósofos, os teólogos, os juristas, os médicos repetem constantemente as mesmas referências e apelam às mesmas autoridades. Desde os gregos que se recria o mesmo estereótipo, as mesmas graças e os mesmos ataques. (...) Como era de esperar, as criticas centram-se no seu poder de sedução. Projectava-se na mulher o desgosto produzido pelo próprio desejo. Para os gregos, o eros, o desejo era uma espécie de substância possuída pela pessoa amada. É ela que lança o desejo na alma do amante. Creio que, por uma curiosa inversão de personagens, a insaciabilidade do desejo masculino se transferiu para a mulher. E assim aparece um dos estereótipos mais duradouros: a mulher tem uma sexualidade insaciável. A isto junta-se a sua vontade de atrair o homem, com boas ou más artes". 

Nativel Preciado, O que Sentem as Mulheres, Pub. Dom Quixote, Lisboa, 2000.

Day and the Dawnstar, Herbert Draper, 1906.

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