segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Momento de Transformação

Poema para Ana

Às vezes eu sei que não há Deus
Outras, reparo nos teus olhos, Ana.
São realmente olhos? São realmente teus?
São mistério de outra raça mais humana?

Serão assim os mortos que aparecem
E nos afagam com mãos de seda preta?
Os teus olhos, Ana, são coisas que acontecem
A quem esteve fechada séculos numa gaveta.

Se não tivesse vindo o Príncipe estrangeiro
Enchendo a nossa casa de ramos de giesta
Estariam ainda dragões de nevoeiro
A guardar os teus olhos perdidos na floresta.

Nunca mais haveria crianças de mãos dadas
No modo singular como agora te sentas
E estaríamos ainda as duas separadas
Pela cortina velha de andorinhas cinzentas.

O mundo não seria uma coisa tão grande
A noite voltaria a tirar-nos a calma.
Ah, foi o telescópio do Príncipe Alexandre
Que me salvou a alma.


Natália Correia, Poesia Completa, "Poema para Ana",  Pub. Dom Quixote, Lisboa, 2007.

Hon John Collier, Lady Godiva, 1898.

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